Chapter 1:

Você Consegue.

Dronga Do!


A chave girou com um estalo abafado. Ele empurrou a porta devagar, como se cada gesto fosse um alívio depois de um dia arrastado. O hall escuro o recebeu, e por um instante só havia o som de sua própria respiração. Tateou a parede até encontrar o interruptor; a luz esbranquiçada se espalhou pelo corredor, revelando os sapatos das filhas encostados de qualquer jeito e o casaco da esposa caindo pela beirada do cabide.

Ele suspirou fundo, afrouxou a gravata e deixou a pasta escorregar contra a parede. Por fim, tirou os sapatos, esticando os dedos cansados dentro das meias.

— Amor, cheguei...! — disse, casual, a voz ecoando baixa na penumbra. — Espero que alguém tenha deixado um pouquinho de comida pra mim. —

Um leve riso escapou dele. O cheiro da comida já o acolhia, quente, caseiro, e o fazia imaginar a mesa posta, as filhas disputando quem ia falar mais alto sobre o dia, a esposa pedindo silêncio enquanto servia. 

De algum canto da sala, vinha também a música que a mais velha repetia até enjoar. Uma batida animada, juvenil, ecoava na caixinha de som que ela não largava. Ele balançou a cabeça, divertido. Seus passos avançaram pelo corredor, seguindo em direção ao cheiro que se intensificava. No entanto, junto a ele surgiu um peso metálico — sutil, mas incômodo. Ele franziu o cenho, respirando mais fundo, sem compreender.

— Meninas...? — chamou, tentando soar natural.

Nenhuma resposta. Apenas a batida repetitiva da música, como se o resto da casa tivesse sido engolido pelo silêncio... Ele alcançou a cozinha.

E ali, o mundo parou.

O chão estava coberto por sangue; o vermelho escorria pelas frestas dos azulejos, acumulava-se em poças que refletiam a luz da lâmpada. Aquele cheiro metálico agora era sufocante.

A filha mais velha estava largada no chão, os olhos fixos em nada. O corpo da mais nova, jogado contra a pia, tinha os braços pendendo, como se tivesse sido atirado ali com violência.

E no centro daquilo, a esposa.

Curvada, mastigava a carne ensanguentada, arrancando pedaços num estalar grotesco de ossos e músculos. A pele dela já não era a mesma: manchas avermelhadas e brancas se espalhavam pelos braços e pelo pescoço, os músculos estavam distorcidos, as costas arqueadas em ângulos que não pertenciam a um corpo humano. Atrás dela, uma cauda de carne exposta, revertida por ossos afiados, se agitava no chão lambuzado.

Ele não respirava. Só olhava.

— Não... não... não~ não... — repetiu, a voz falhando, quase um soluço preso na garganta. — Amor... não faz isso... amor, não... por favor... volta... —

As lágrimas ardiam nos olhos, mas não caíam. Ele sabia. Já entendia. Aquilo não era mais ela. E mesmo assim, implorava. Mas, no fundo, ele sabia...

Seu mundo havia acabado.

Por um instante, pensou em se entregar... deixar que o destino viesse — que ela o levasse junto, como tinha levado as meninas. As pernas pesaram, o corpo vacilou, como se a própria vontade de resistir estivesse se desfazendo. O peito ardia, e a respiração tornava-se curta, irregular. Ele ia se entregar.

Mas a criatura ergueu a cabeça. O olhar morto, estranho, encontrou o dele… Então, ela avançou.

O estalo de ossos ecoou quando a cauda se ergueu! Um choque que o arrancou do torpor, despertando um reflexo desesperado! Ele se jogou de lado, tropeçando no próprio pé! Mesmo caindo ao chão ele forçou o corpo a se erguer, ignorando a dor que latejava. 

Atrás dele, a criatura se recompunha; suas juntas estalaram como madeira velha quebrando. As garras arranharam o piso, deixando riscos fundos no concreto, acompanhados de um rosnado baixo, sufocado, que não parecia sequer animal!

Ele correu pelo corredor, cada passo ecoando como um martelo em seu peito. O ar queimava nos pulmões, a visão turva pelas lágrimas que agora se misturavam ao suor. O som da criatura o perseguia — as patas pesadas, o arranhar insistente das garras, a respiração áspera, cada vez mais próxima!

O porão! Tudo o que via era a porta do porão!

Ele agarrou a maçaneta, girando-a com as mãos trêmulas. Num impulso desesperado, a porta veio consigo e, no mesmo instante em que a criatura investiu, usou o peso do corpo para empurrá-la para dentro! Mas não era tão fácil assim.

Numa tentativa de resistir, as garras se fincaram em suas laterais, atravessando o tecido e raspando contra a costela. Ele gritou, sentindo o sangue quente escorrer, enquanto era arrastado para dentro junto dela! Toda sua força se fixou em um único agarro na maçaneta, querendo a todo custo não despencar escada abaixo! Mas, infelizmente já era tarde demais.

A porta se fechou com um estrondo, e o sangue em sua mão o fez soltar a maçaneta… Em meio à escuridão, tudo o que se ouviu foi o som abafado de corpos se chocando contra os degraus…

(…)

Tlin-Tlin!

O sino da porta tilintou, trazendo junto o cheiro doce de café fresco. Ele ajeitou o avental amarrotado e soltou um suspiro, pronto para lidar com mais um cliente que observava o cardápio sem pressa. O rapaz aproveitou a brecha para ajeitar o crachá em seu peito, o qual solenemente dizia: Kally Worrys. Sorriu de leve, tentando parecer mais vivo do que realmente estava, e se preparou para registrar o pedido.

Cafeteria Mrs. Paladar, 10:32 AM – Domingo…

— Hã, bom dia, eu gostaria de um cappuccino médio sem açúcar, por favor. —

Dois dias depois do incidente…

 — Claro, bom dia. — ele assentiu com a cabeça, registrando o pedido de forma quase mecânica. — A senhora deseja mais alguma coisa? —

A cliente balançou a cabeça primeiro, indecisa; bateu com os dedos na carteira, pensativa, e então voltou a olhar para o atendente.

— Ah… Vocês têm aqueles cookies com pedaços de aveia? —

— Temos sim. —

— Ótimo. Eu vou levar dois; um vai ser pra viagem. — disse, já puxando duas notas amassadas da carteira.

— Tudo certo, então… — Finalizou a compra e entregou a nota fiscal, junto com o código do pedido e o troco. — A senhora pode aguardar em sua mesa que iremos entregar. Tenha um bom café da manhã! —

Ela assentiu, radiante, ajeitou a bolsa no ombro e buscou uma mesa perto da janela. Logo, um garçom apareceu no balcão, tentando parecer discreto — ou pelo menos era o que queria que parecesse. O crachá reluziu sob a luz: Herbert Turner. Ele levou a mão à boca, inclinou-se para a frente e murmurou:

— Ai, mano… Aquela mina ali me disse que tá doidinha pra pegar seu número, mas tá cheia de vergonha. Posso ir lá passar? — Apontou com o polegar para uma moça no fundo, concentrada num notebook. 

Os olhos dele brilhavam em expectativa, sorriso fácil de quem já esparava a resposta.

Kally lançou um olhar rápido. O cabelo castanho curto dela moça caía em mechas soltas sobre a testa, emoldurando o rosto rechonchudo; os olhos cinza, atentos, seguiam cada movimento na tela, oscilando entre concentração e sorrisos contidos. Com um rangido discreto, ela ajeitou a cadeira, cruzou as pernas e apoiou o cotovelo na mesa, mordendo o lábio inferior sem perceber. Ela parecia exalar uma simpa—

— Não, tô de boa… — Kally respondeu seco, indo até a máquina de café para preparar o cappuccino.

O sorriso de Herbert espatifou-se no chão! Ele se jogou no balcão, derrotado, como quem recebeu um banho de água fria na alma.

— Sério, mano…?! — resmungou, incrédulo, bufando com decepção visível. — Cada dia que passa sem namorada, tu se torna cada vez mais ‘volcel’, hein… —

— Ai ai, coitado… E cada dia que passa, você inventa um termo novo. — Posicionou o cappuccino médio da cliente na bandeja e endireitou cada guardanapo com um cuidado obsessivo.

— Poxa, maninho, eu só quero ter um rolê de casais no meu aniversário… É pedir muito? — Apontou novamente para a moça, a voz baixa, mas intensa. — Olha como ela fica um pitelzinho mexendo naquele notebook. Tu tá doidinho pra ver o que ela tem debaixo daquele sobretudo, né, safado? —

Kally sorriu, mas não se deu o trabalho de olhar — apenas pegou dois cookies da vitrine, deixou um na bandeja e enfiou outro na embalagem de papel, respondendo automaticamente:

— Um pitelzinho que pede café grande sem açúcar pra comer com tangerina… Gente assim merece ser presa. E ainda tem a cara de pau de vir num lugar chamado “Paladar”. —

Herbert piscou, sorrindo torto, claramente se divertindo. — Irmão, acha que alguém “normal” ia conseguir ficar com você? Com o tanto que tu já comeu de meleca, dava pra fazer um balde de pipoca. —

Kally arqueou a sobrancelha, envergonhado. — Ah, todo mundo engole meleca quando tá resfriado…! Toma, vai lá entregar isso pra cliente e me deixa em paz. Diz pra doida de tangerina que eu não tô interessado nela. —

Seu amigo pegou a bandeja com um sorriso travesso, quase imperceptível. Ao entregar o pedido para a cliente com a naturalidade de sempre, desviou o caminho e foi até a mesa da moça. Kally acompanhou de rabo de olho, sobrancelhas franzidas em impaciência. Herbert se inclinou discretamente, trocando algumas palavras com ela, gesticulando como se fosse apenas mais um atendimento. A moça ergueu o olhar do notebook, surpresa por um instante, mas logo esboçou um sorriso contido, curioso. Sem perder o ritmo, ele puxou uma caneta da orelha e começou a rabiscar algo no guardanapo, enquanto a conversa fluía. 

Kally suspirou baixo, desviando o olhar como quem não queria assistir ao espetáculo; voltou-se para a máquina de café, limpando os cantos com gestos automáticos, cada movimento perdido em seus próprios pensamentos. Aquele sorriso dela… discreto, mas certeiro, ficou gravado em sua mente mesmo depois que o turno terminou. Não era raiva, nem vergonha — apenas uma estranheza incômoda, difícil de explicar. O celular vibrava sobre o peito, iluminando o quarto escuro em flashes intermitentes. Kally piscou algumas vezes antes de erguer o aparelho. Era um número desconhecido acompanhado de um mensagem curta:

^ Oi! Sou a garota do café. Seu amigo me passou seu contato :3

Merda, Herbert…

23:10 PM.

De repente, a porta do quarto se abriu com um leve rangido. Não era ninguém além de sua colega de teto, entrando com o habitual cansaço que a tornava quase etérea. Como sempre, ela gostava de se exibir: ia dormir com uma camisola de renda preta que contornava delicadamente suas curvas vaidosas — nada por baixo além da própria tentação. Mas Kally já estava acostumado com esse show de ternura. Cada passo dela parecia medido, como o de uma felina manhosa. Seus cabelos negros e volumosos caíram suavemente sobre os ombros ao se soltar da presilha, espalhando um brilho sedoso à luz fraca. Ela subiu na cama com uma graça natural, aproximando-se dele enquanto dizia, em tom baixo e dócil:

— Que foi, gatinho…? Por que tá com essa cara de tacho? — Se enfiou debaixo da coberta, jogando a perna por cima dele enquanto puxava o celular de sua mão com delicadeza, desligando a tela.

Ele inspirou fundo aquele aroma doce e envolvente, sentindo cada nota feminina se espalhar pela cama. Soltou o ar devagar e fechou os olhos. — Nada demais… Herbert só empurrou outra garota pra mim. —

— E ela é bonita, dessa vez? — Deslizava o dedo pelo peito dele, entretida. 

— Ela é, mas sei lá… Não consigo pensar direito. — Passou o braço por baixo do travesseiro dela, puxando-a um pouco mais perto. — Oh, e antes que você venha com aquele papo de que tenho receio das garotas saberem que moro com você, já aviso que é por motivos de “não tô afim”… —

— Ah, gatinho… — Segurou a mandíbula dele e balançou devagar. — se permita amar. Ao contrário de mim, você ainda pode brincar de romance por ai. —

Ele sorriu de leve, sentindo o peso e a suavidade daquele toque. — Não, não fala isso… Nunca é tarde pra encontrar o amor. — Enclinou-se para esfregar o nariz suavemente no dela. — E também, essa frase não combina com você… —

Ao se aproximar mais para beijá-la, sentiu um toque firme de dedo sobre os lábios, interrompendo o ato.

— Não, não… Só depois que você responder à garota. — Pegou o celular e colocou-o na mão dele gentilmente.

Kally arfou impaciente, inclinando-se para trás. — Tá bom… Vou ver no que dá com ela. — Rapidamente desbloqueou a tela e clicou na notificação de mensagem.

^ Oi! Sou a garota do café. Seu amigo me passou seu contato :3

^ Opa, fala ai! Desculpa a demora pra responder, tava focado no meu treino.

Antes que ele pudesse se dar por satisfeito, a moça já havia lhe respondido:

^ Você treina? Que legal, eu também! Inclusive, acabei de chegar da minha corridinha noturna, hoje acabei com meu tênis ksksks 

Um forte rubor se espalhou pelas bochechas dele — claramente não esperando tamanha similaridade. Sua colega logo percebeu o constrangimento e começou a encher seu rosto de beijos, numa mistura de provocação e carinho. As mãos dele tentavam afastar o rosto dela, mas cada tentativa era frustrada pelas temidas cócegas insistentes.

— P-para, cara! Sério! — ele ria, tentando se esquivar. — Chega, ela só falou uma coisa em comum ~ nada demais até aqui! —

Ela riu baixinho, segurando-o pela cintura, os olhos brilhando de ternura. — É tão bonitinho te ver todo vermelhinho! — Apertou sua bochecha com força. 

— Tá, tá… Deixa de ser enjoada! — Abanava as mãos, ainda rindo, incapaz de se livrar da atenção dela.

— Fica tranquilo que vou deixar os pombinhos a sós… — disse, pegando uma máscara de olhos debaixo do travesseiro e colocando-a com cuidado, para não embolar o cabelo. — Amanhã quero ler todas as mensagens, ai de você se apagar. — Deslizou a mão pelo rosto dele até encontrar a boca e aplicou um beijo rápido, suave e travesso, antes de se virar para o outro lado, ainda rindo baixinho.

Ele abriu um sorriso tímido ao olhar para a mensagem da pretendente, lembrando das palavras de Herbert no trabalho:

“Poxa, maninho, eu só quero ter um rolê de casais no meu aniversário… É pedir muito?”

Ao soltar um suspiro ansioso, começou a digitar devagar; a cabeça balançava em um misto resignação e diversão — como quem aceitava a missão sem admitir totalmente.

^ É, treino mesmo... Mas antes de tudo, me fala seu nome aí.

^ Me chamo Nayeli, só que todo mundo fica me chamando de Nami.

^ E você gosta de qual dos dois?

^ Tô começando a gostar de Nami ksksks

Uma risada sincera foi o suficiente para ele saber que deveria continuar a conversa — e já adianto que não se arrependeu da decisão. Hora vai, hora vem, quando perceberam já estavam mergulhados em mais uma história aleatória sobre ambos. Se o relógio não tivesse marcado três da manhã em ponto, eles mal saberiam qual era o limite do fim.

Nami mandou a última mensagem para cessar de vez aquele vício, carregada de preguiça e emojis exagerados:

^ Boa noiteee, mocinho do café 💤✨ Amanhã a gente conversa mais 💕 Adorei te conhecer!

Kally, ainda rindo sozinho, largou o celular no colchão e se encolheu ali. O coração batia tão cheio de amor que parecia precisar de alguém para conter. E, claro, acabou sendo a companheira: puxou-a sem hesitar para um abraço por trás, onde ela já se ajeitou, devidamente acostumada. O sorriso bobo permaneceu grudado em seu rosto, como se não quisesse deixá-lo partir. Adormeceu incrédulo, aninhado em conchinha, tentando acreditar que realmente tinha encontrado alguém como Nami. Por um instante, parecia que a noite poderia terminar ali, nesse final feliz improvisado, quase humilde, mas perfeito. Porém, fora daquele quarto, o mundo ainda não adormecera.

O calor de um abraço cedeu lugar ao estalo metálico de uma latinha sendo amassada. O gosto doce-amargo do energético ainda lhe queimava a garganta quando voltou a socar a torre de pneus. Cada impacto reverberava no ar parado, rompendo o silêncio pesado do shopping esquecido, entregue às traças. Ao redor, tudo era sombra. Se não fosse pela fogueira vacilante dentro de um galão velho, aquele espaço seria devorado por uma escuridão completa, mais densa que a própria noite. A chama tremia, mas ele não parecia notar. Não precisava mais do que a batida abafada da música que escapava da sua caixa de som, e a companhia do vira-lata fiel que o observava a poucos passos dali. Sua respiração saía pesada, compassada, quase se confundindo com o ritmo eletrônico que preenchia o vazio. 

Em meio ao clima envolvente, o cão foi o primeiro a notar. As orelhas se ergueram, captando algo que ainda não cabia no silêncio. Ainda assim, não latiu. Apenas deslizou do sofá velho, as patas tocando o chão com leveza. O rabo se moveu numa hesitação curiosa, oscilando entre o instinto de alerta e a docilidade que carregava no olhar.

Uma sombra começou a se alongar nas paredes, invadindo a zona turva da chama devagar. Crescia, acompanhada pelo eco de passos leves.

— Coe, Beto… Manda o papo. — A voz familiar se juntou ao clima. — Por que me chamou pra cá? — Se agachou para acariciar o vira-lata.

03:09 AM - Segunda-feira.

Beto cessou os golpes e enxugou o suor com uma toalhinha apoiada nos ombros. Antes que pudesse respondê-lo, um bater de asas colossal explodiu acima de ambos! Um estrondo partiu o teto, e um morcego inteiramente branco e brilhoso despencou do alto! 

Tum! 

Suas asas imensas rasgavam o espaço, e a cada movimento deixavam para trás reflexos cintilantes, como se o próprio pó estelar se desprendesse de sua pele. A luz oscilante da chama mal conseguia contê-lo, e ainda assim bastava um gesto para que todo o ambiente se enchesse de brilhos passageiros, efêmeros como respirações. Os olhos azuis fixavam-se adiante, frios e cortantes, atravessando a penumbra com a clareza de lâminas. Não havia calor neles, apenas a intensidade de algo que não pertencia àquele lugar — um olhar que parecia tanto julgar quanto anunciar. No entanto, logo ela se dissolveu no ar como uma miragem e uma mulher ruiva aterrissou suavemente ao lado. Os rapazes não reagiram de forma hostil, pelo contrário, foram assustados com a repentina chegada — porém já sabiam muito bem quem era.

— Isso, dondoca, termina mesmo de derrubar esse lugar todo fudido! — Beto repreendeu em tom irônico. 

— Eu só espero que essa reunião seja importante. — ela retrucou em tom baixo, mas sua voz reverberou pelo espaço enquanto caminhava. Suas mãos afundadas nos bolsos do casaco. 

— Ela tem razão… — o amigo concordou, despencando o corpo no sofá gasto. — Tá ligado que a gente tem que acordar cedo, né? — 

— Relaxem, porra… — Beto fez um salto ágil, pegando o pneu mais alto da pilha. — Oof! (…) Escutem só. Amanhã, vulgo hoje mais tarde, vai rolar a bendita Semana de Caça. Como eu já tinha passado a visão antes, e repeti várias vezes, a presença dos Wiktrils tá cada vez mais frequente… e, consequentemente, os lefous também tão suando mais a testa dos veteranos.

— Sério mesmo isso, Beto…? — revirou os olhos a ruiva, já se aproximando da fogueira para aquecer as mãos. — Tu ficou mesmo abalado com a morte dos alunos da A-01… —

— É, fiquei sim… — respondeu sem titubear, atirando o pneu contra o amigo, que o pegou no reflexo antes que acertasse o colo. — Não só da A-01, mas também da 02, 03… até o filho daquela míscista, e a sala B. — A voz dele ficou mais dura, quase engolindo as palavras. — Vocês têm noção de que, em séculos, essa é a quarta vez que se registram casos de crianças arlistas mortas? Quarta. Vocês têm noção de que morre mais arlista fora de combate do que em combate? —

Ele fez uma pausa curta, deixando que o peso das frases ecoasse. 

— Uma coisa que eu percebi… é que os coroas lá de cima tão pouco se fodendo pra nossas vidas aqui embaixo. — Bocejou brevemente, como quem tentava disfarçar a tensão. — Então, é isso: a gente vai ter que dar o dobro essa semana. O treino não vai ser só pra fortalecer técnicas, mas pra proteger quem vem depois, os alunos das salas abaixo. —

O silêncio caiu denso. Os dois amigos se entreolharam, e naquele instante parecia que as palavras tinham atravessado mais do que o ar. Beto respirou fundo, tirou os óculos da ponta do nariz e os ajeitou no rosto — a armação e lentes amarelas refletindo a chama vacilante.

— Bom… Podem pensar enquanto tentam explodir esse pneu aí com energia mística. Podem tirando o aro e os casacos. Bora começar. — Seguiu até uma mochila jogada próximo ao sofá e retirou dela mais uma latinha de energético. — Toma, Sal… Mata sua vontade. —

Ela abriu um sorriso e cuspiu dentro da fogueira. — Awn, obrigada… Pelo menos se deu o trabalho de ser cavalheiro. —

— É cada coisa que tu inventa, hein, Beto… — comentou o amigo, retirando o casaco enquanto se levantava para se alongar. Seus músculos definidos apertavam a manga longa da camiseta. 

O trio começava a se preparar, cada um em seu ritmo, carregando a energia do momento. Beto arremessou a latinha para Sal com precisão calculada, levantando-se devagar, firme, com os ombros tensionados. Ela, por sua vez, tirou o casaco com um gesto rápido, revelando o abdômen definido sob o cropped atlético, e virou o energético numa golada única, como se fosse um ritual. Do outro lado, o amigo arregaçou as mangas, observando o espaço à sua frente antes de carregar o pneu, medindo mentalmente a distância.

Com um movimento calculado, ele lançou o pneu para o alto e o deixou cair deitado. No instante seguinte, agachou-se diante dele, cotovelos apoiados nos joelhos, observando o círculo de borracha e metal com ar pensativo — como se tentasse decifrar algum segredo escondido ali. Beto embolou a toalhinha e, com um gesto ágil, lançou-a como se fosse uma bola de tênis. O pano cortou o ar com um assobio preciso, explodindo contra as costas do amigo com uma força surpreendente.

— Ei~i! Quem foi que–?! — Ele girou, os olhos encontrando a toalhinha caída no chão antes de travar o olhar em Beto, desafiador e pronto.

— Que foi, amigão? — Beto ajeitou novamente os óculos, dessa vez, com uma calma intimidadora. — Pode começar a concentração pra explodir o pneu. —

Assim que Sal percebeu a malandragem, abriu um sorriso torto e travesso. — É, Mon-Mon... pode focar no pneu. — Amassou a latinha inteira como se fosse só papel e, sem pressa, amarrou o cabelo num nó improvisado. — Deixa que eu cuido desse pretinho perturbado. — 

De repente, um objeto voou na direção de Beto como uma bala de revolver — era a latinha que Sal esmagou!

Beto se esquivou com um simples movimento de pescoço; a latinha passou rente ao rosto e explodiu contra a parede ao fundo num estrondo poderoso! No mesmo instante, ele avançava sobre o amigo, o sorriso confiante estampado no rosto.

— É covardia mirar no óculos, hein! — O punho dele atravessou o ar. — Se tu quebrar ele eu vou ficar puto de verdade! —

Mon-Mon levantou a guarda no reflexo, bloqueando o primeiro impacto! Porém, a força empurrou seus pés pelo chão de mármore, deixando um rastro na poeira acumulada. Ele tentou revidar com um chute lateral, mas Beto girou o corpo numa esquiva baixa e desferiu uma meia-lua de compasso veloz! A perna descreveu um arco cortante no ar, obrigando o amigo a recuar de imediato para não ser atingido. 

Foi nesse momento que Sal ergueu a mão. O ar ao redor dela brilhou e, de repente, formas brancas surgiram como poeira compactada: criaturas cintilantes e deformes, ora lembrando lobos, ora pássaros de asas rasgadas. Num piscar de olhos, as bestas atacaram, defendendo Mon-Mon e abrindo espaço entre ele e o alvo. Beto foi forçado a recuar dois passos, desviando de uma mandíbula espectral que se fechou no vazio, a poeira se dispersando no instante em que o ataque falhou.

— Ah, tá de sacanagem que você vai usar lobinho e passarinho contra mim! — Cerrou os punhos, o olhar faiscando.

— Eu tô só me aquecendo, seu palhaço! —

As criaturas surgiam e desapareciam em intervalos curtos, como ecos de um pesadelo materializado. Cada uma era rápida e instintiva, dissolvendo-se em partículas brilhantes a cada impacto. Beto respondia com esquivas e golpes secos, escapando por um triz, girando os ombros e levantando a guarda como se lutasse contra inimigos invisíveis. Sal, com as mãos ainda erguidas, observava friamente, os olhos fixos nele como se já previsse cada movimento.

— Te peguei… — a voz dela soou leve e baixa, mas carregada de uma firmeza inabalável.

Naquele mesmo instante, o chão ao redor dele brilhou em fractais pálidos, e dois sapos brancos de proporções grotescas emergiram da poeira. Línguas se projetaram num estalo molhado, enroscando-se nos tornozelos do alvo com uma força incrivelmente viscosa! Antes que ele pudesse reagir, uma massa ainda maior tomou forma à sua frente — um minotauro robusto, erguendo-se como uma muralha viva, desferiu um soco brutal no esôfago, seguido por um cruzado direto no rosto!

Beto sentiu esse choque até na alma, algo tão intenso que levantou partículas do chão como uma pequena explosão! Porém, para a surpresa dela, Beto não caiu. Ele absorveu os golpes, deixou que o corpo fosse levado alguns passos para trás…

Seu olhar se ergueu com um sorriso selvagem, pronto para armar o contra-ataque!

Enquanto isso, Mon-Mon se encontrava ajoelhado diante do pneu, o rosto tenso e o corpo curvado em concentração. Suas mãos pairavam sobre o objeto, e cada músculo parecia vibrar com a energia que tentava canalizar. O pneu tremia levemente, absorvendo aquela energia mística de dentro para fora, até que, finalmente, começou a ser preenchido.

Na frente dele, o caos. As línguas dos dois sapos chicoteavam os membros de Beto, esticando e puxando como tentáculos lunáticos. Ele não resistiu por muito tempo: afundou os pés no mármore, forçou os músculos e agarrou uma das presas brilhantes! A primeira língua se partiu em faíscas; a segunda tentou o prender de novo, mas Beto já havia virado o corpo para escapar, deixando apenas rastros de pó cintilante. 

Não houve tempo para respirar!

O minotauro investiu, seu punho colossal descendo como uma marreta! O impacto no chão fez o ambiente tremer, e as chamas do galão iluminaram tudo com um clarão nervoso. Beto desviou num salto ágil, sentindo os destroços passar raspando. Recuperou o equilíbrio no exato instante e ajustou os óculos com um toque, os olhos faiscando de adrenalina, sempre prontos para revidar.

Nhoc!!

— Quê?! Agh~h! — Sal gemeu ao sentir uma dor na perna.

O vira-lata havia abocanhado sua canela, pegando-a de surpresa — a brecha perfeita que Beto precisava! Num avanço extremo, ele disparou na direção dela! A energiacósmica se concentrou em seu punho, pulsando em vermelho intenso. O chão rachava sob seus pés; faíscas dançavam pelo ar enquanto a força se acumulava, crescendo a cada batida do coração! Então, com um rugido contido, o soco desceu sobre o estômago dela, brilhando como um raio prestes a rasgar o mundo! 

— ✦ Toma Bala!! ✦ —

Por um instante, a percepção de Sal pareceu congelar. O ar ficou pesado, o espaço entre eles distorcido, e tudo — o chão, as lâmpadas, os vidros do shopping — suspendeu-se na tensão do impacto! Sal foi arremessada para trás com uma força cósmica devastadora, limpando o chão com o deslocamento do ar! O impacto estilhaçou todas as vidraças resistentes ao redor, e o minotauro se dissipou bruscamente. Quando a tensão abaixou, Beto gargalhou em descrença. 

— Porra, não acredito que ela não Interceptou esse ataque básico! (…) Valeu, garoto! — Deu um joia para o cão, que o respondeu latindo de forma simpática. 

O olhar de Beto se voltou para Mon-Mon, que nem havia percebido a enorme desvantagem em que se encontrava, tão concentrado estava. Beto começou a caminhar na direção dele com passos lentos, cada movimento calculado, o semblante carregado de ameaça, pronto para um ataque traiçoeiro.

Sorte ou não, Mon-Mon finalmente abriu os olhos, impaciente com a demora para explodir o objeto, e se deparou com aquela presença poderosa avançando, prestes a desferir um chute carregado de energia cósmica. A única reação que conseguiu foi inclinar o corpo para trás, desviando do golpe, mas caindo desajeitado! Sua experiência falou mais alto: executou rapidamente um mortal para trás, aterrissando com firmeza e se reposicionando, pronto para o embate.

— Vai esperar sua proteção chegar... ou vai arriscar fazer as duas coisas? — Beto girou a cabeça devagar, cada estalo do pescoço ecoando como um aviso.

Mon-Mon soltou uma gargalhada cínica. — Filho da puta… — Levou dois dedos em sua testa, e a voz ribombou pela região. — ✦ Aura Ofensiva! ✦ —

A energia cósmica irrompeu de seu corpo em tom carmesim, pulsando em ondas frenéticas. O ar ao redor vibrava enquanto a aura se condensava, moldando a figura de um clone etéreo — um corpo bruto, sem vestimentas, feito de pura fúria ardente. Mon-Mon ergueu a mão e apontou dois dedos para Beto, um comando direto: o clone avançou como um raio, pronto para dilacerar a distância que os separava.

— Só não deixa essa coisa acertar meus óculos, por favor! — murmurou Beto, esquivando-se do primeiro golpe e recuando com rapidez, o corpo já girando para assumir a postura da capoeira.

Contra todas as expectativas, Beto foi subitamente agarrado por trás! Braços monstruosos, penas eriçadas, garras afiadas — cor branca. Não havia dúvida: era um ursocoruja. 

Era uma invocação oculta de Sal!

Ela retornara ao combate envolta em uma aura branca que se derramava como um manto etéreo — cada passo carregado de mistério e imprevisibilidade. Seus cabelos alaranjados haviam se transfigurado em fios claros, reluzindo como prata sob o luar. Os olhos azulados ardiam de fúria, transbordando energia cósmica. 

Aquilo não era apenas Sal... era algo além dela.

Tamanha surpresa arrancou de Beto um sorriso orgulhoso, como o de um pai que vê o filho dar as primeiras pedaladas. Foi o último gesto livre antes de ser engolido por uma tempestade de golpes: o clone de Mon-Mon irrompeu pela frente, acertando sua cabeça de todos os ângulos. A fúria daquele ser não conhecia piedade. Cada soco empurrava Beto e o ursocoruja para trás, desestabilizando-os, acumulando impacto sobre impacto, como uma marreta incessante.

Foi então que… veio o erro.

No meio da tempestade de golpes, um dos movimentos arrancou os óculos dele, arremessando-os para longe. O estalo da armação batendo no chão reverberou em sua mente como um sinal de alerta…

Sim, um erro inimaginável. 

O clone não teve sequer tempo de compreender o que havia acontecido. Tudo o que percebeu, antes de ser obliterado, foi o soco brutal que explodiu no centro de sua face — pura energia cósmica alaranjada. A aura de Beto movera-se antes do próprio corpo, atravessando e queimando os braços da invocação.

Essa técnica tinha um nome…

— ✦ Reflexo: grau dois. ✦ — murmurou, em tom sereno, assumindo a postura exata que sua aura acabara de projetar.

Mon-Mon sentiu um impacto direto na própria cabeça, como se cem agulhas elétricas atravessassem seu cérebro. O corpo cedeu na hora, caindo de lado, sem qualquer equilíbrio — lá se ia sua concentração mais uma vez.

Porém, assim que Sal passou por ele em direção a Beto, o pneu simplesmente explodiu. Aquilo decretava o fim do treinamento, mas ela… não saiu da postura ofensiva.

Continuou avançando de forma automática, olhos fixos, intenções ocultas até para o próprio alvo. Ele, por sua vez, não demonstrou hesitação; sabia que a qualquer momento poderia ser vítima de outra invocação. Ainda assim, optou por agir de modo despretensioso, um desleixo proposital. Seus óculos, protegidos pela própria aura antes mesmo de tocarem o chão, já repousavam de volta em seu rosto. Voltar ao estilo era o que realmente mais importava.

De repente, Sal parou de caminhar. Suas pernas vacilaram, e o brilho branco que a envolvia oscilou junto, apagando-se como uma chama ao vento. Seu corpo tombou sem resistência, despedaçando em segundos todo o semblante imponente que carregava. Beto agarrou-a antes que tocasse o chão, envolvendo-a com firmeza e cuidado. Manteve-a acolhida, apoiada contra o peito, respirando fundo, como se, por um instante, esquecesse completamente o campo de batalha ao redor.

— Sua aura se recusou a perder, não é...? — murmurou, os dedos deslizando suavemente pelos fios claros dela. Uma calma estranha tomava conta da voz. — Vou ter orgulho de dizer que fiz parte da sua equipe… Você vai ser uma grande Arlista. —

Com cuidado, Beto ajeitou o corpo dela nos braços, passando o braço sob suas pernas para carregá-la. Caminhou até o sofá, cada passo pesado não pela dificuldade, mas pelo silêncio cheio de significado que pairava no ar. 

No meio do caminho, não resistiu: enfiou o pé na bunda de Mon-Mon, arrancando dele um choque de espanto e alguns gemidos agoniados. O rapaz se levantou aos trancos, ainda tonto, mas instintivamente armou a postura de luta. Bastou olhar para os restos do pneu espalhados pelo chão para entender o recado. Um sorriso escancarado iluminou seu rosto. 

— Eu consegui...! Caralho, eu consegui! —

Beto acomodou Sal no sofá com cuidado, depois se virou para Mon-Mon com um sorriso radiante e levantou o polegar.

— Sim, 'cê' conseguiu! Parabéns, mano!! — exclamou, exagerando na empolgação. — Desse jeito vai virar um míscista de primeira! Já pensou?! Você mandando uma cura de 2º círculo?! —

— É! Porra, tô doido pra conseguir projetar uma AURA MÍSTICA!!! — disse, colocando dois dedos na testa... sem resultado algum.

— Ééé! Vem cá, chega aí! — Beto correu até ele e o envolveu num abraço esmagador. — Abraço de cria! —

— Abraço de cria! — Mon-Mon repetiu, quase em sincronia.

— Toma balinha, toma! Tá merecendo. — Puxou uma Halls do bolso e enfiou direto na boca dele sem nem tirar o papel.

Mon-Mon imediatamente o empurrou, rindo, para tirar a embalagem antes que molhasse na língua.

— Qualé...! Isso tá cheio de bactéria, pô. — resmungou, jogando o papel fora antes de chupar a bala de forma despretensiosa. 

Seus olhos se voltaram para Sal, deitada no sofá. A sobrancelha se franziu em confusão. — E ela aí...? O que rolou? —

— Ah, relaxa. Só apagou de sono. Tu sabe como é... sem energético, ela desmaia na hora. — Abriu um sorriso gentil, mesmo que a lembrança do soco que a mandou pelos ares insistisse em aparecer. — Tá com fome? Eu trouxe um saco cheio de misto-quente. Quer dizer... a essa altura já devem tá mais pra “misto-frio”, mas foda-se, né? —

Seu amigo ergueu os ombros, como se a fome fosse maior que qualquer desconfiança. — Se tiver ketchup, eu aceito até tijolo, irmão. —

Beto caiu na risada e já começou a mexer no mochila com os lanches amassados, jogando um pro amigo. O lugar destruído logo se encheu do som de plásticos sendo rasgados, mastigadas descuidadas e comentários sem noção — ambos sentados próximos ao sofá com o vira-lata apoiando a cabeça na coxa do dono.

Entre uma mordida e outra, Mon-Mon levantou os dois dedos na testa de novo, tentando forçar qualquer centelha de energia mística. Nada. 

— Pior que eu não consigo parar de imaginar eu curando vocês, tipo... eu gosto de porrada, mas as vezes quero ficar de boa curando. — disse de boca cheia.

— Ah, continua focando em objetos que uma hora você consegue curar alguma baratinha... — retrucou Beto, quase cuspindo o pão ao segurar a risada. Aquilo era um meme interno entre ambos.

O riso ecoou pelo espaço ao ver o amigo emburrado, leve, sem o peso da luta de minutos atrás. Mas quando seus olhos recaíram sobre Sal, ainda adormecida no sofá, a felicidade suavizou. Ele estendeu a mão, ajeitou o cabelo dela atrás da orelha e, por um instante, ficou apenas observando o rosto seu tranquilo.

— A gente vai longe... — murmurou baixo, antes de dar uma mordida no misto.

~ Dronga Do!

Dronga Do!


Unarrador
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