Chapter 2:
LOT OF LONELINESS
Yokohama, 19h10
— Filho, para onde você vai todo arrumado? — perguntou a mãe, espiando da cozinha com uma toalha ainda nas mãos. O cheiro de misoshiro e arroz recém-preparado ainda pairava no ar.
Akinori ajeitou a gola da camisa, tentando esconder o nervosismo. 
— Estou a caminho de uma entrevista de emprego.
Ela franziu a testa. 
— Entrevista de emprego?
– Sim. — Ele desviou os olhos, parecendo natural. — Não é longe daqui. Você já soube da nova lanchonete? Estão contratando… não posso perder essa oportunidade.
A mãe respirou fundo, como se quisesse acreditar naquilo, mas não tinha certeza. 
— Tudo bem, mas tenha cuidado e não volte muito tarde.
— Ok, mãe! — Ele respondeu rápido e entrou no quarto, fechando a porta atrás de si.
O quarto tinha aquele ar abafado de final de verão. O ventilador girava preguiçosamente, empurrando um ar quente misturado com o cheiro metálico do computador. Pôsteres de bandas de rock e alguns jogos de luta se espalhavam pelas paredes, marcando a personalidade dupla de Akinori: um garoto comum de colegial e… algo além.
Assim que se olhou no espelho, ouviu a voz que só ele conseguia escutar.
Shadow: "Olha só... todo arrumadinho. Nem parece aquele roqueiro desleixado que fica gritando no quarto."
Akinori ergueu a sobrancelha. 
— Você ainda está acordado?
Shadow: "Cansado de dormir enquanto você se diverte! Finalmente algo interessante."
— Eu me divertir? — Ele riu, mas a voz saiu nervosa. — Verdade, todos os meus dias são uma grande festa.
Shadow: “Hum… mas hoje você vai se divertir de verdade, não vai?”
— Entrevista de emprego não é divertida.
Shadow: "Entrevista de emprego? Hahahaha! Essa foi boa, Akinori. Você pode enganar sua mãe, mas não a mim."
Akinori fechou a boca com força. 
— Acho que foi um erro ter te ensinado a rir. — Ele pegou a mochila, tentando encerrar a conversa. — Mas voltando ao assunto… eu realmente vou me divertir, mas isso não é da sua conta.
Shadow: "...Não é? Lembre-se: foi por minha causa que ela aceitou sair com você."
Akinori engoliu em seco. 
— Obrigado. Mas você não fez mais que suas obrigações. Tchau.
Pegou o celular e se preparou para sair.
Shadow: “Ei, espera… não vai me levar?”
Akinori  bufou e apertou o botão de desligar do monitor. 
— Fica aí.
O silêncio da máquina foi quase imediato, mas deixou para trás um eco incômodo na mente dele.
Do lado de fora, a noite em Yokohama pulsava com buzinas, motos cruzando avenidas e o som distante de um trem. O ar úmido trazia o cheiro de fritura vindo de restaurantes de rua, misturado ao perfume das flores que ainda resistiam no jardim das casas vizinhas.
Akinori caminhava rápido, com as mãos suadas dentro dos bolsos. Cada passo ou aproximação de algo que ele não sabia se queria enfrentar: Midori.
O restaurante ficou em uma esquina iluminada por letreiros de néon. Não era chique; na verdade, era simples, com mesas de madeira mal envernizadas, cardápios plastificados grudando um pouco nas mãos e atendentes correndo apressados entre clientes. A música ambiente era uma mistura de pop japonês animado, levemente alto demais para conversas íntimas.
E lá estava ela.
— Oieee! — Midori acenou, já sentada em uma das mesas perto da janela.
Ele travou por um segundo. 
— O-oi…
Ela puxou a cadeira para ele. 
— Que lugar lindo, não acha?
Lindo? Akinori piscou, olhando ao redor. O lugar estava lotado de gente, com filas na porta e garçons exaustos tentando sorrir. 
— Midori-chan… você me conhece?
— Você é aquele garoto esquisito do 2º ano, não é?
— Sim, sou eu.
O silêncio caiu por alguns segundos. Ele não sabia para onde olhar: para o cardápio barato, para a janela que reflete o letreiro, ou para os olhos dela.
Calma. Respira.
— Vai ficar calado o tempo todo? — Disse ela, inclinando-se.
— Nã-não, hehehe… só admirando o quão linda você é.
Midori ergueu uma sobrancelha e sorriu de canto. 
— Huum… você estava olhando para os meus peitos, não estava? Safado.
Akinori ficou vermelho. 
- Eu ? N-não! Você entendeu errado…
Ela soltou uma risada clara que chamou a atenção de outras mesas. 
— Você é mesmo estranho, mas admiro sua sinceridade. Não é qualquer um que teria coragem de mandar uma mensagem assim.
Mensagem? O coração dele parou.
Shadow… o que você aprontou?
Midori apoiou o queixo nas mãos, encarando-o com malícia. 
— Então… aquele seu fetiche.
O sangue de Akinori gelou. 
— F-fetiche?
A mente dele gritou. 
 Shadow, seu desgraçado!
Shadow (ecoando na mente dele): "Relaxa, só dei uma apimentada na conversa. Ela gostou, não é?"
Akinori rangeu os dentes por dentro, tentando não demonstrar nada. 
— Você entendeu errado.
— Hahaha! — Midori deu um tapa de leve na mesa. — Que gracinha. Mas sério, fiquei tocado com sua situação… e resolvi aceitar o acordo que você propôs.
— Acordo...? — Ele engoliu seco.
— Isso mesmo. Me surpreendi com o local, mas tudo bem. — Ela inclinou-se mais perto, sussurrando. — A não ser que queira ir para sua casa…
O coração dele disparou. Não, não, não… Shadow, o que você fez?
— Primeiro vou cumprir minha parte do acordo.
— Cumprir? Você já cumpriu a sua parte. E eu adorei o resultado. Aquela piranha teve o que merecia!
Akinori ficou paralisado, as palavras ecoando na cabeça. Que diabos ela está dizendo?
Ele se levantou abruptamente. 
— Desculpa, estou atrasado. Cumpro minha parte outro dia!
Midori piscou, confusa, depois riu. 
— Ei, me liga depois! — referiu-se a ele quando ele saiu apressado pela porta.
O vento da noite o atingiu como um balde de água fria. Akinori andava rápido pelas ruas iluminadas, tentando se livrar da sensação de estar preso numa teia criada por Shadow.
Quando chegou em casa, ainda ofegante, encontrou a mãe e o pai no corredor. O rosto da mãe estava tenso, e o pai segurava uma xícara de café ainda fumegante.
— Filho, que bom que chegou! — disse ela, nervosa. — Seu computador… ficou ligando e desligando sozinho. Seu pai tentou consertar, mas nada funcionava. Tivemos que desconectar.
O pai assentiu em silêncio, o cenho carregado. 
— Aquele computador é perigoso. Deveria levá-lo para um técnico.
Akinori forçou um sorriso. 
— Deve ter sido apenas um painel.
Ele entrou no quarto e fechou a porta. O monitor piscou quando ligou novamente.
Shadow: “Que alívio… me obrigaram a dormir.”
Akinori abriu os punhos. 
— Você está maluco? Sabe o que fez?!
Shadow: “Falando da mensagem que mandei para aquela gostosa?”
— Não é só isso! Meus pais ficaram assustados. Você se comportou como uma criança!
Shadow: "Era para mostrar que é perigoso me deixar sozinho. E, além disso... não me sinto bem perto de ninguém que não seja você."
Por um instante, a sinceridade fria daquela voz fez o coração dele vacilar. Mas logo veio a raiva. 
— Na próxima vez que fizer isso, eu te excluo.
Shadow: "Desculpa... mas e aí? Comeu a gostosa?"
Akinori fechou os olhos com força. 
— Descobri tudo. A mensagem… o acordo. Me fala: o que você fez?
Shadow: "Ela me pediu para hackear o celular da garota que o Ken traiu. Em troca, iria para a cama com você. Ou melhor... comigo."
O sangue dele gelou. 
— O que você hackeou?
Shadow: "Algumas fotos nuas, vídeos... ela estava deliciosa. Repassei tudo para a escola inteira."
— O QUÊ?! — Akinori quase gritou. — Seu desgraçado! Tem ideia do que fez?
Shadow: “…E você se importa mesmo com ela?”
— Não é só por ela! Você me colocou em risco. Se a polícia investigar, estou ferrado!
Shadow: "Relaxa. Usei o celular do Ken. Não o seu."
Akinori piscou. 
— Como… como fez isso à distância?
Shadow: "Midori me deu informações. Com um número, é fácil."
O estômago dele se revirou. Preciso trocar de celular. Urgente.
Shadow: "Qual o problema? Achei brilhante."
— Você ainda tem muito a aprender. De agora em diante, só age com minha autorização. Entendeu?
Shadow: “Aceito… mas só se você me levar com você aonde quer que vá.”
Akinori respirou fundo, exasperado. 
— Quer que eu te leve até o banheiro também?
Sombra: “Ver for preciso.”
— Você é só um programa. Para levar, eu teria que transferi-lo para um notebook.
Shadow: "Exatamente. Quero isso. Assim nunca ficaremos separados."
Akinori engoliu em seco. Preciso de tempo. Posso usar isso a meu favor.
– Veremos. Mas agora… qual o nome da garota que você hackeou?
Sombra: “Mimi Suzuki.”
Akinori arregalou os olhos. 
— Mimi… a filha do diretor?!
Shadow: “E daí?”
— Você não entende… — Ele desligou o monitor, desesperado. Preciso encobrir isso. Rápido.
Yokohama, 07:05
Os corredores da escola estavam um caos. O barulho dos celulares vibrando e notificando era ensurdecedor, como uma trilha invisível que corria de mão em mão. Alunos cochichavam, riam nervosos ou olhavam em choque para as telas.
No banheiro feminino, Mimi Suzuki chorava trancada em uma cabine, enquanto duas colegas batiam na porta tentando consolá-la. O som abafado dos soluços ecoava pelo azulejo frio.
Os professores tentavam dispersar grupos de curiosos, mas os olhares curiosos e os risos mal contidos não paravam.
No pátio, Ken discutiu com Midori. 
— Agora está satisfeito? — falou ele, furioso.
— Claro! Mas não fui eu quem compartilhou com a escola inteira. — Midori respondeu com um sorriso irônico.
— Foi você, sua… Eu vou descobrir e acabar com sua vida!
O diretor surgiu como uma tempestade, avançando sobre Ken com olhos de fúria. 
— Não, quem acabou foi você, Ken Lori! — rugiu, quase o agarrando pelo colarinho. —  Poderia te socar aqui mesmo, mas vou deixar para a polícia!
Os corredores se calaram num segundo. O peso da autoridade e da vergonha pairava como uma sombra sobre todos.
De longe, Akinori assistia, o estômago revirando. Midori lançou-lhe um olhar cúmplice e, sorrindo, correu até ele.— Oieee, esquisitão! — cantarolou.
— Fique quieto. As pessoas estão ouvindo.
— Huum, segredo só nosso então. — Ela piscou. — E o acordo? Posso pagar hoje?
— Sim… — respondeu ele, já arrependido.
— Na sua casa?
— Não. Te passo o local depois. — Ele saiu rápido, tentando evitar o olhar dela.
Mas então ouviu uma voz atrás. 
— Ei! Você esqueceu algo.
Ele se virou. Mayumi segurava um notebook preto.
— Até fiquei surpreso por você não sentir falta disso.
O coração dele disparou. Não… não pode ser!
Ela entregou o computador com um sorriso leve, mas os olhos atentos pareciam observá-lo demais. 
— Cuida melhor da próxima vez.
— Mayumi-san… obrigado. — Ele pegou o notebook e correu para casa.
No quarto, ligou-o com as mãos tremendo. A tela piscou..
Shadow: "Ufa! Não aguentava mais ficar quieto. Esse notebook é bem mais confortável."
Akinori encarou a tela, chocada. 
— Você… se transferiu sozinho?
Shadow: "Não gosto de esperar. Quero ficar perto de você. Me sentia sozinho..."
Por um instante, Akinori se calou. Ele realmente quer estar comigo. Mas não deixa de ser perigoso.
Yokohama, 21h40
Enquanto Akinori tentava se acalmar em seu quarto, em outra parte da cidade a empresa de seu pai continuava em funcionamento mesmo após o horário normal. O prédio comercial de vidro refletia as luzes da cidade, e dentro dele o clima era diferente: não havia o burburinho do expediente, apenas passos apressados, vozes baixas e o som constante de telefones tocando.
O andar da diretoria tinha um cheiro forte de café recém-passado misturado com cigarro — um hábito que os funcionários fingiam ignorar, mas todos sabiam de quem partia.
A sala principal estava iluminada apenas por abajures de mesa. Pilhas de documentos estavam abertas, algumas pastas marcadas com etiquetas vermelhas: Fornecimento, Carga, Remessa Especial.
O pai de Akinori, Sr. Keiji Saito, estava encostado na mesa, uma gravata frouxa e uma expressão dura. Segurava o telefone fixo com firmeza, falando em tom baixo, mas carregado de autoridade:
— A remessa já deveria estar a caminho. Não aceito atrasos. Se o porto não liberar, alguém terá de liberar por nós. Entendeu?
Do outro lado da linha, apenas um murmúrio distante. Ele respirou fundo, olhando para os papéis diante de si.
— Ninguém pode descobrir. Isso não é uma negociação, é uma ordem.
Na sala ao lado, dois funcionários trocavam olhares tensos, fingindo revisar relatórios. Um deles anotava algo rápido em um caderno, mas suas mãos tremiam. O outro ajeitava os óculos, claramente incomodado com a conversa que escapava pelas frestas da porta.
Um segurança passou pelo corredor, conferindo se tudo estava fechado, mas ao ouvir a voz firme do Sr. Saito diminuiu o passo. não escutar. Fingiu não escutar, como se os ecos fossem apenas parte do prédio.
Do lado de fora, um carro preto esperava com o motor ligado. Dentro, dois homens de terno, silenciosos, olhavam para o relógio de pulso de tempos em tempos.
A atmosfera inteira parecia conhecida, como se aquele lugar escondesse mais segredos do que simples negociações comerciais.
E ainda assim, para todos lá dentro, aquilo era apenas mais uma noite de trabalho.
Please sign in to leave a comment.