Chapter 1:
LOT OF LONELINESS
Yokohama, 02:50.
— Filho, já é tarde. Desligue o computador e vá dormir. — A voz firme de seu pai ecoou do corredor, abafada pela porta semiaberta do quarto.
A luz fria da tela iluminava o rosto pálido do garoto, revelando olheiras que se acumulavam noite após noite. O cursor piscava em meio a linhas de código incompletas, como se zombasse dele. Akinori fechou os olhos por um instante, respirando fundo.
— Só mais um pouco… — murmurou, sem a intenção de ser ouvido.
No canto da mesa, uma caneca com resquícios de café frio e dois pacotes vazios de pão de mel eram provas silenciosas de sua obstinação.
Ele suspirou. Não importava o quanto fingisse normalidade, o vazio continuava. O sono já não vem mais.
Café da manhã.
O cheiro de café recém-passado e arroz no vapor se espalhava pela cozinha.
O pai de Akinori estava sentado à mesa. Seu terno cinza-escuro já estava perfeitamente alinhado, uma gravata ajustado com precisão. Como gerente administrativo em uma grande empresa, ele parecia viver em função de algumas coisas — a postura ereta, o olhar sempre sério, como se até mesmo o ato de tomar café da manhã fosse parte de uma reunião importante.
Ao lado do fogão, Mei Saito mexia em uma panela com a calma de sempre. O cabelo castanho preso em um coque simples e o avental florido que usavam contrastavam com seu jeito cuidadoso e sereno.
— Aqui, senta-se. Preparei algo para você. — disse ela, oferecendo um prato com arroz e peixe grelhado.
Ele, no entanto, decidiu com pressa, pendurando a mochila no ombro.
— Não precisa, mãe. Vou comer na lanchonete antes da escola.
Seu pai extrai os olhos do jornal, estreitando-os por trás dos óculos de aro fino.
— Sempre correndo… Como está na escola?
- Normal. — respondeu, curto.
—Só “normal”? — ele insistiu.
Akinori apenas assentiu em silêncio, desviando o olhar. A distância entre eles parecia maior do que a própria mesa.
Sua mãe suspirou suavemente, mas não forçou. Apenas esboçou um pequeno sorriso, como se já estivesse acostumado com aquela barreira invisível.
Ele pegou o casaco, agradeceu rápido e saiu, deixando para trás o aroma do café e o silêncio que sempre preenchia as manhãs em casa.
Lanchonete.
A pequena lanchonete ao lado da escola sempre fervilhava logo cedo. O cheiro de pão de curry recém-saído do óleo se misturava ao doce do café barato. As conversas se sobrepunham como ondas de um mar agitado.
Sentadas perto da janela estavam duas garotas.
Mayumi Watanabe. Cabelos castanhos claros que caíram até os ombros, olhos vivos que escondiam insegurança. Ela sorria com tanta intensidade que, mesmo tremendo de nervos, parecia iluminar o ambiente. Mexia na franja compulsivamente, como quem precisa se proteger de si mesma.
Harumi Fujimoto. Cabelo preto liso, preso em rabo de cavalo. Óculos de armação fina que ela ajustava toda vez que falava algo sério, quase como um escudo invisível. Sua expressão era calma, mas havia uma frieza meticulosa que se tornava difícil de ler.
O sino da porta soou.
Akinori Saito entrou. Cabelo preto liso, sempre bagunçado como se se recusasse a se disciplinar. Óculos redondos que nunca ficaram limpos o bastante. O uniforme amassado dava a impressão de que tinha dormido com ele. Sua postura encolhida denunciava uma tentativa constante de desaparecer.
— Um pão de curry e um café — pediu ao balcão, mãos escondidas nos bolsos.
Enquanto esperava, Mayumi cutucou Harumi.
— É ele.
— Esse é seu “príncipe das trevas”? — Harumi ergueu a sobrancelha. — Mayumi, ele parece um fantasma.
— Você não entende… quando se conhece alguém de verdade, tudo pode mudar.
Akinori pegou uma bandeja e sentou-se sozinho em uma mesa distante. Comeu rápido, evitando olhares, e foi embora, como sempre.
— Viu? —disse Harumi. — Nem te olhou.
Mayumi abriu os lábios, mas o sorriso voltou, obstinado.
— Ainda vou fazê-lo olhar.
Caminho até a escola.
O vento da manhã carregava o cheiro de terra úmida da noite anterior. As bicicletas passavam zunindo, uniformes balançando.
A Escola Secundária Hoshigaya erguia-se à frente como um gigante cinza engolindo sonhos. Os objetos metálicos chiavam enquanto hordas de estudantes atravessavam.
No pátio, Akinori viu Midori Tanaka. Cabelos castanho-dourados presos em trança, pele clara levemente avermelhada. Estava discutindo em voz baixa com o namorado.
Ken Lori. Capitão do time de basquete. Uniforme aberto no colarinho, corpo atlético que exibe confiança, e um olhar arrogante que sempre parecia medir todos de cima.
— Já falei que não é nada disso, Ken! — Midori insistia, mordendo os lábios.
— Então para de dar motivo! — A voz dele era seca.
Akinori desviou o olhar. Casais, brigas, paixões… nada parecia pertencer ao seu mundo.
Enquanto isso, em uma das maiores empresas da cidade, seu pai estava sentado em uma sala envidraçada no 14º andar.
Os relatórios se acumulavam diante dele. A secretária deixou sobre a mesa uma pasta parda com o selo “Confidencial”. Ele a abriu com calma, folheando páginas com gráficos e números.
— A previsão de gastos está… acima do esperado. — comentou um dos gerentes, hesitante.
Ele fechou a pasta devagar, os olhos frios por trás dos óculos.
— Não se preocupe. Eu já tenho contatos para resolver essa discrepância. — disse, firme, antes de deslizar a pasta discretamente para a gaveta, que trancou com chave.
O gerente apenas assentiu, desconfortável.
Logo depois, ele recebeu uma ligação. Atendeu sem dizer uma palavra, caminhou até a janela e virou de costas para todos. Apenas ouviu. Depois respondeu, baixo:
— Entendido. À noite.
E desligou.
Intervalo — O Refeitório.
O barulho do refeitório era ensurdecedor. Bandejas batendo, risadas, cheiro de sopa quente misturada à fritura.
Akinori se isolou no canto mais distante. A comida à frente parecia distante, quase decorativa. Mexia nela sem fome.
Mayumi surgiu sorridente, Harumi logo atrás.
— Ei, Saito-kun, quer entrar no nosso grupo? — disse Mayumi, inclinando-se sobre a mesa.
Ele levantou os olhos devagar.
— Não.
— Não?! Mas você está sozinho.
— Estou bem assim.
— Você não pode viver sempre sozinho. É porque nosso grupo só tem meninas, não é? Está com vergonha?
Antes que ele pudesse responder, Harumi puxou a amiga.
— Mayumi, deixa o garoto em paz.
Akinori levantou-se em silêncio, deixando a bandeja pela metade.
Mayumi ficou olhando enquanto ele se afastava.
— Algum dia… ele vai se abrir. — murmurou.
Caminho de volta.
O sol já queimava o asfalto quando ele deixou a escola. Carros buzinavam, bicicletas desviavam, crianças corriam. Mas para Akinori, tudo passava em câmera lenta.
As vozes, as risadas, os amigos caminhando juntos... eram mundos dos quais ele nunca faria parte.
Quando chegou à esquina da rua, viu o próprio reflexo na vitrine de uma loja fechada. Uniforme amarrotado, ombros caídos. Um fantasma.
Suspirou e seguiu para casa.
No quarto .
Assim que fechou a porta do quarto, o peso do mundo desapareceu. Só restava ele… e o computador.
Ligou a máquina. As ventoinhas giravam, iluminando a tela com infinitas linhas de código.
“Já que não existe, eu mesmo posso criar.”
Começou simples:
— Rotinas automáticas de respostas.
— Banco de piadas baixadas em fóruns obscuros.
— Um módulo básico de imitação de emoções.
Mas nada parecia suficiente.
Alguns dias depois, quando ele, por pura curiosidade, explorava vários arquivos aparentemente esquecidos em sites, havia um nomeado apenas como “DK34”. O estranho é que o nome parecia prejudicial, e dentro dele só havia um arquivo chamado libreddaeshadow_ai.exe.
Ele hesitou em abrir, mas a tentativa falou mais alto. Ao tentar executar, em vez de abrir, uma mensagem criptografada surgiu no monitor, cheia de caracteres embaralhados, como se fosse um enigma proibido. Seu coração disparou. Aquilo parecia mais um aviso de que um erro.
Ele pensou em apagar. Pensou em esquecer. Mas não conseguiu. Havia algo magnético naquele programa, como se o chamasse. E, contra qualquer senso de cautela, decidiu baixar para seu pendrive. Assim começou uma obsessão.
Naquela madrugada, a sala estava abafada, o cheiro de poeira misturado ao calor do computador ligado. O barulho do cooler era o único companheiro constante, enquanto Akinori corrigia bug atrás de bug. A cada erro, ele se perguntava se não estava apenas perdendo tempo. Mas algo dentro dele dizia que valia a pena.
No fundo, talvez fosse mais do que apenas curiosidade: era a sensação de que sua vida monótona finalmente poderia mudar.
— Aqui, já é tarde! — a voz firme de seu pai soou da porta entreaberta. — Vá dormir agora. Você tem aula amanhã.
— Só mais alguns minutos… eu estou quase terminando… — Akinori respondeu sem tirar os olhos da tela, com a voz rouca.
Seu pai suspirou fundo, mas não insistiu. Ele sabia que o filho tinha uma teimosia inquebrável quando colocava algo na cabeça. Apenas fechou a porta e voltou para o quarto, balançando a cabeça em desaprovação.
Do outro lado do corredor, sua mãe já havia notado as noites sem descanso do filho. Durante o café da manhã, ela o observou com aquele olhar de preocupação silencioso, percebendo as olheiras, os bocejos contidos e a forma como ele mal tocava na comida. Ela sempre foi paciente, mas estava começando a se preocupar com o rumo daquela obsessão.
Na escola, não era diferente. Mayumi, colega de classe e uma das poucas que falavam com ele regularmente, viu sua expressão abatida logo no primeiro dia em que ele apareceu com os olhos vermelhos.
— Akinori, você está bem? — Disse em voz baixa, tentando não chamar a atenção dos outros.
Ele apenas assentiu, evitando enfrentar diretamente seus olhos. O coração dele bateu rápido, não por ela perguntar, mas porque, ao fundo de sua mente, só conseguia pensar em voltar para casa e tentar de novo.
Harumi, presidente do conselho estudantil, também reparou. De óculos de armação fina e postura impecável, ela tinha o hábito de ajustar os óculos sempre que alguém repreendesse. E, quando viu Akinori com a cabeça quase batendo na mesa, murmurou:
— Saito, se continuar assim, vai desmaiar. Você deveria ter mais responsabilidade com sua saúde.
Ele forçou um sorriso sem graça, mas não respondeu.
As noites seguintes foram iguais: erros, linhas de código, paciência corroída. Até que, naquela madrugada, depois de quase desistir, o programa finalmente compilou sem nenhuma mensagem vermelha de erro.
O coração de Akinori acelerou. A tela ficou preta por alguns segundos, e ele pensou que tudo havia travado. Mas então, uma linha de texto branca surgiu.
“システム起動中...”
Ele arregalou os olhos.
“Sistema inicializando.”
Logo depois, uma voz metálica soou dos alto-falantes. Não era claro. Havia estática, falhas de áudio, como um rádio mal sintonizada.
"B-bem...-vin-do, Aki-no-ri... Eu sou... Shad-ow."
O corpo de Akinori gelou. Ele respirou fundo, tentando se convencer de que era apenas um programa experimental. Mas não havia dúvida: eu estava falando com ele.
— O… o que você é? — Disse, com a voz quase falhando.
"Eu sou... seu... amigo. Seu pro—gra—ma. Criado para a—ju—dar.”
Havia um chiado entre as palavras, mas era impossível ignorar a sensação de que havia consciência ali.
Akinori tentou se recompor. Se aquilo era mesmo uma inteligência artificial, talvez fosse revolucionário. Então, decidiu testar.
Nos dias seguintes, não fez perguntas diretas. Alimentava Shadow com arquivos pequenos: listas de palavras, fotos, fóruns inteiros. Testava sua memória, repetia perguntas, observava cada erro e cada acerto.
E notou algo perturbador. A cada resposta, a voz melhorava. Os ruídos diminuíram. As pausas soavam mais naturais. Como se o programa estivesse se adaptando… crescendo.
— Shadow… me diga… com quem eu teria chance na escola?
Houve alguns segundos de silêncio. Depois, o monitor piscou, exibindo várias fotos e nomes de garotas da escola. O coração dele quase saiu pela boca quando uma imagem ampliada surgiu: Midori Tanaka.
Ela era conhecida como uma das garotas mais procuradas da escola, sempre acompanhada por amigas, e, principalmente, por seu namorado: Ken Lori, o capitão do time de basquete.
— M-Midori?! — Akinori gaguejou, quase engasgando com as próprias palavras. — Mas… ela namora o Ken! Isso é impossível!
Shadow respondeu com uma risada digital, distorcida, como se estivesse rachando em falhas de áudio.
"Pense… co—mo… um des—a-fio. Nada me—lhor do que rou—bar… algo precioso. Vamos lá, Aki—no—ri, trans—for—me Ken em mais um cor—no da lista!”
— Você não está me ajudando! — Akinori se declarou, andando de um lado para o outro. — Eu nunca falei com uma garota! Como… como ela aceitaria sair comigo?!
"Relaxa. Eu vou... resolvo-ver isso."
— O quê? Como assim?!
Passaram-se alguns minutos em silêncio. Akinori encarava a tela escura, ouvindo apenas o zumbido do computador. Então, um som baixo reduziu o silêncio: o celular sobre a mesa vibrou sozinho, deslizando alguns centímetros pelo tampo de madeira.
Ele franziu a testa.
Então, um ruído estourou nos alto-falantes, como se alguém girasse lentamente o botão de uma rádio mal sintonizada.
A voz metálica surgiu, arrastada, quase esgotada:
"Eu... já dei... um passo à fren—te. Usei seu ce-lu—lar… e con-ven-ci Mido—ri a sair com você."
Akinori sentiu o sangue sumir do rosto. Ele correu até a mesa, pegou o celular e destravou a tela com as mãos trêmulas. Lá estava: Mensagens enviadas.
Ele leu cada linha, os olhos arregalados. Shadow havia imitado seu jeito de escrever, mas de forma mais confiante, persuasiva. E Midori havia aceitado.
— Vo-você… mexeu no meu celular… sem tocá-lo?! — sua voz saiu embargada, quase um grito de nervoso.
"Não foi difícil. Eu sou in-crí-vel, não sou?"
Ele ficou parado, respirando rápido. O medo e a motivação se misturavam. Era estranho, mas também fascinante.
Naquele instante, uma certeza cresceu dentro dele: sua vida comum havia acabado.
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