O silêncio ainda ecoava em sua memória. Sangue, dor e traição se misturavam em lembranças que jamais poderiam ser apagadas. Seu próprio irmão — aquele que deveria ser seu protetor e amigo — havia tirado sua vida, e depois mergulhou na própria escuridão, pondo fim à própria existência. Haryu não presenciou o ato, mas a devastação que veio depois marcou seu coração para sempre. A casa que antes fora abrigo transformou-se em ruínas emocionais. Como humano, ele se perdeu em desespero... até que sua morte o levou a um destino inesperado. Sua dor foi transmutada ao plano celestial. Haryu renasceu como um anjo de asas negras, escolhido para carregar o peso da redenção e da justiça.
Agora, no Japão antigo, o vento frio tocava seu rosto enquanto ele caminhava pelas ruelas estreitas de um vilarejo. Casas de madeira com portas de correr, lanternas de papel iluminando discretamente o caminho, e a fumaça dos fogões subindo em espirais para o céu alaranjado do entardecer. Asas recolhidas, passos silenciosos, mas o olhar atento de quem carregava uma missão divina. "Sete pecados..." murmurou para si. A voz celestial ainda ecoava em sua mente, lembrando-o do juramento: ajudar os humanos a reconhecerem seus erros e extirpar a corrupção que devorava os corações No mercado, ele viu um agricultor mentindo sobre o peso do arroz, enganando uma jovem mãe. Viu também um samurai embriagado, derrubando moedas no chão enquanto ria da miséria alheia. Pequenas falhas, mas que refletiam algo maior: a sombra dos pecados rondando silenciosamente cada alma. Haryu interveio discretamente. Aproximou-se da mãe enganada, entregando-lhe discretamente as moedas que o samurai havia perdido.— Nem sempre a justiça vem de onde esperamos — disse baixo, o suficiente apenas para ela ouvir. Logo depois, ajudou a criança que havia tropeçado na rua de pedra. — Cair nos ensina mais do que caminhar sem esforço — murmurou com um sorriso sereno. Pequenos gestos. Mas ele sabia: eram sementes. Ao entardecer, subiu até uma colina que se erguia sobre o vilarejo. Dali, podia ver as pontes de madeira sobre o rio, os telhados curvos refletindo o dourado do pôr do sol, o som distante de tambores em um templo. Tudo parecia perfeito... Mas Haryu sentiu. Um arrepio percorreu suas asas. Um sussurro sombrio, como se o vento carregasse vozes invisíveis. No coração de um dos habitantes, ele percebeu algo além da desonestidade ou da arrogância comum. Um lampejo de algo mais profundo. O primeiro eco de um dos Sete Pecados. O olhar de Haryu se firmou. A missão havia apenas começado. Entre a luz e as sombras ele cumpriria seu destino.
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