O salão era amplo, iluminado por chamas arroxeadas que não queimavam, apenas lançavam um brilho etéreo nas paredes de pedra. No centro, uma grande mesa de madeira negra reunia os Sete Pecados. Vaidade reclinava na cadeira, mexendo em uma pedra roxa lapidada como se fosse um espelho.— Sinceramente, eu continuo sendo o mais bonito daqui. Vocês só servem pra embelezar o fundo da cena. — Sorriu, lançando um olhar provocador para os demais. Ira bateu a mão na mesa com força, rachando a superfície>— Cala essa boca. Se você repetir isso, eu vou arrancar esse sorrisinho nojento da sua cara! Mesmo irritado, seus olhos ardiam de desejo e charme. Gula riu, dedilhando sua harpa. Então Vaidade retrucou:— Calma, calma, Irazinho... deixa ele se olhar no espelho até cansar. Afinal, quando você ficar careca de tanto estresse, vai ser ele que vai te emprestar pó de arroz. Ganância deu uma gargalhada alta, jogando moedas de ouro para o alto como se fosse chuva.— Hahaha! Isso é maravilhoso! Eu aposto todas as minhas moedas que o Ira mata o Vaidade antes do final de semana. Quem dá mais?
Preguiça, quase escorregando da cadeira, abriu os olhos por meio segundo.— ... Vocês fazem muito barulho... dá pra morrer em silêncio? — bocejou, apoiando o rosto nos braços. Inveja, encolhido em sua cadeira, mexia nos dedos nervosamente, olhando para os outros com olhos tímidos.— Eu queria... eu queria ser tão charmoso quanto a Vaidade... ou tão forte quanto a Ira... ou ter tantas moedas quanto a Ganância... Orgulho, sentado ereto, braços cruzados, lançou um olhar frio sobre todos.— Vocês são patéticos. Essa reunião era para discutirmos estratégias contra Haryu, não para... compararem penteados e disputarem quem é o mais bonito. Vaidade sorriu malicioso, inclinando-se para Orgulho.— Ah, querido Orgulho... sempre tão sério. Você deveria relaxar um pouco. Talvez até deixar que eu pinte seu retrato. Garanto que sua frieza ficaria... encantadora em tons de lilás. Orgulho suspirou, ignorando. Gula se levantou, tocando uma nota arrastada na harpa.— Bom, já sei que ninguém tá levando isso a sério, que tal eu compor uma música? "Sete pecados, sete desgraças, mas só um deles é bonitoooooo."
— Eu vou fazer você engolir essa harpa. — rosnou Ira.— Opa! Mais uma aposta pra mim! — gritou Ganância, rindo alto. Enquanto isso, Preguiça já tinha adormecido em cima da mesa, e Inveja olhava para a harpa de Hōyoku, desejando saber tocar como ele. Orgulho pigarreou, a paciência já no limite: — Chega. Estamos perdendo tempo. Não importa se vocês se acham bonitos, ricos ou irresistíveis. O que importa é que Haryu está aqui, na Terra. E ele é um problema. O salão ficou em silêncio por um instante... até Vaidade soltar uma risada baixa.— Ahhh, Haryu. O anjinho melancólico de asas negras. Eu me divirto tanto com ele. Ira bufou, cerrando os punhos.— Não me interessa se ele é bonito ou trágico! Se eu encontrar esse desgraçado, vou esmagar cada osso dele até não sobrar nada! Gula riu alto, encostando-se na cadeira com sua harpa no colo.— Relaxa, Ira. Eu vi Haryu outro dia... todo sério, ajudando uns humanos idiotas e famintos. Quase chorei de rir. Ele parecia um anjo professor de moral, sabe? Ganância estalou os dedos e moedas surgiram dançando no ar.— Então temos um herói salvador dos pobres? Hahaha, maravilha! Vou adorar ver a cara dele quando oferecer a alma desses camponeses em troca de ouro. Aposto que até esse anjinho pode se corromper.
Preguiça, sem abrir os olhos, murmurou entre bocejos:— Haryu... muito esforço lutar com ele... acordem-me quando ele estiver morto. Inveja, tímido abraçou os joelhos e falou baixinho:— Ele... é maravilhoso. Corajoso, bonito, forte... eu queria ser como ele. Orgulho ergueu a voz firme, abafando os risos e provocações.— Vocês não entendem. Haryu não é um humano comum. Ele é um anjo. E se o Divino o enviou, é porque ele é uma ameaça real. — Fez uma pausa, olhando para cada um.— Se não pararmos de brincar, ele será o fim de todos nós. — disse Orgulho. Por um momento, até Vaidade silenciou. Depois, ele abriu um sorriso provocativo.— Não se preocupem. Sei todas as fraquezas do anjinho. O brilho malicioso em seus olhos deixou o ar mais pesado. Os pecados não precisavam dizer em voz alta, mas todos sentiram a verdade: Haryu estava vindo, e cada um deles queria algo dele. O céu daquela tarde no vilarejo estava limpo, até que uma estranha luz dourada começou a se abrir entre as nuvens. Os aldeões pararam suas tarefas, apontando para o alto, enquanto o vento soprava forte. Do rasgo celestial, dois vultos angelicais desceram lentamente, suas asas brancas refletindo a luz do sol. O chão estremeceu quando pousaram na praça central: Shinei e Kōei. Haryu, que observava à distância, ergueu os olhos. Seu peito se apertou por um instante, mas logo um sorriso leve surgiu em seus lábios. Ele os reconheceu. Shinei tropeçou ao tocar o chão, quase caindo de cara.— Aaah! Eu... eu odeio descer desse jeito! Meu estômago ainda tá rodando! — resmungou, segurando o próprio peito, enquanto os aldeões o olhavam sem entender nada. Ele então notou Haryu e, com os olhos arregalados, apontou para ele.—HARYUUUUUUUUUU!! — gritou, correndo até o amigo e quase se jogando em cima dele em um abraço exagerado. — Eu achei que nunca mais ia te ver! Você não imagina a saudade que eu senti!
Haryu riu baixo, tentando se desvencilhar do aperto sufocante.— Shinei... Realmente senti muita falta do seu jeito. Logo atrás, Kōei pousou com calma, sua postura ereta e o olhar envolvente. Sua presença fez até os aldeões se curvarem, como se fosse natural respeitá-lo.— Haryu. — disse em tom firme, mas caloroso. — Faz muito tempo. Ele caminhou até o anjo de asas negras e tocou seu ombro, fitando-o nos olhos.— Nós viemos para lutar ao seu lado. O Céu não permitiria que você enfrentasse os pecados sozinho.
Shinei, ainda agarrado a Haryu, interrompeu:— Mas por favor, me prometam que vão me proteger primeiro, tá? Eu... eu até luto, mas esses pecados são uó! — disse, tremendo todo, mas logo depois fechou os punhos e tentou parecer corajoso. — Quer dizer... se mexerem com nosso Haryu, eu acabo com eles. — Shinei mostrou o bíceps. Haryu sorriu, sentindo algo que há muito tempo não sentia: o calor de reencontrar os velhos amigos.— Então é isso, ninguém vai nos deter. — Disse Haryu, com um sorriso. As asas dos três se abriram ao mesmo tempo, projetando sombras sobre a vila. Os aldeões assistiam em silêncio, maravilhados. O destino da luta contra os pecados agora tinha novos guardiões. Mais tarde, os aldeões ainda estavam curiosos e foram dispersados por Haryu com um gesto sua suave.— Eles são meus melhores amigos. Não se preocupem. Logo o vilarejo retomou seu ritmo, mas em uma clareira próxima, os três anjos se reuniram em paz, longe dos olhares curiosos. Shinei, deitado na grama, olhava para o céu como se ainda pudesse ver o portão celestial.
— Vocês lembram... daquela vez em que eu tentei voar, torci minha asa direita e me espatifei no chão?— Você ficou uma semana com a asa machucada e com medo de voar. — Comentou Kōei. a voz calma, mas com um leve sorriso no canto dos lábios. Haryu riu baixinho, o som carregado de nostalgia.— E mesmo assim, Shinei continuava dizendo que seria o mais veloz entre todos nós. Shinei se sentou de repente, a expressão serena mas envolvente.— Eu vou ganhar a corrida dos anjos em breve. Vocês vão ver! Kōei cruzou os braços, a expressão serena mas envolvente.— Sempre foi assim. Haryu reflexivo, eu tentando manter a ordem. E Shinei... — olhou pro amigo, que ainda resmungava — ...cheio de medo, mas o mais corajoso quando precisava. Shinei corou, coçando a nuca.— Para, Kōei... você me deixa sem graça quando fala assim... O vento soprou suave entre eles, balançando a grama. Por um instante, foi como se o tempo tivesse voltado, e estivessem outra vez no Céu, apenas os três amigos sem a sombra dos pecados ou da dor. Mas então, o olhar de Haryu se tornou sério. — Esses momentos parecem tão distantes agora... o Céu nos trouxe aqui por um motivo. E vocês sabem tão bem quanto eu... que os Sete Pecados não vão descansar até destruir tudo. Shinei mordeu o lábio, nervoso.— Eu sei, mas... quando estou com vocês, eu sinto que posso enfrentar qualquer coisa. Kōei colocou a mão sobre o ombro de Haryu.— Então vamos enfrentar. Como sempre fizemos. Juntos. Os três ficaram em silêncio por alguns segundos, apenas sentindo a presença uns dos outros. O passado celestial não podia ser revivido, mas a amizade deles permanecia. E agora, essa amizade seria a lâmina que cortaria a escuridão.
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