O entardecer caía sobre a vila, tingindo o céu de tons alaranjados. Haryu caminhava calmamente entre as vielas, observando o movimento. Foi então que ouviu um grito abafado vindo de um beco estreito. Ao se aproximar, encontrou um homem ajoelhado no chão, devorando compulsivamente pedaços de pão caídos na terra. Seus olhos estavam vidrados, a boca suja e os dedos trêmulos. A aura negra em torno dele denunciava: aquilo não era normal. De repente, uma risada ecoou pelo ar — alta, debochada e quase contagiante.— Hahaha! Que cena linda, não acha? — Disse uma voz alegre. Da sombra do beco surgiu uma figura. Cabelos desgrenhados, sorriso largo e olhos cintilando com diversão. Ele se apoiava casualmente contra a parede, como se estivesse apenas assistindo a um espetáculo. — Pobrezinho... não consegue parar de comer. Mas é tão divertido ver como os humanos são frágeis, né? Haryu estreitou os olhos.— Você... é um deles. O estranho abriu os braços, como quem apresentava um show.— Finalmente percebeu! Eu sou o Hōyoku, o doce e irresistível pecado da Gula! E cá entre nós, eu sou o mais bonito de todos. — Ele piscou, como se estivessem trocando segredos. O homem possuído se levantou de repente, os olhos agora tingidos por uma névoa laranja, e avançou contra Haryu como um animal faminto. Haryu ergueu a mão, e uma chama azul surgiu em seus dedos, iluminando o beco. — Eu não vou permitir que você continue manipulando pessoas inocentes. Hōyoku gargalhou, inclinando a cabeça de lado.— Ohhhh! Que pose de herói! Mas vamos ver se consegue resistir ao apetite sem fim. Vai, meu brinquedinho, devore-o! O possuído atacou, mas Haryu desviou com agilidade e liberou um círculo de fogo ao redor do homem, tentando contê-lo. As chamas crepitavam, formando uma prisão ardente.— Que bonitinho. — zombou Hōyoku, batendo palmas como se fosse um espetáculo de circo. — Você acha mesmo que pode queimar a fome? A gula não se extingue, garoto... ela só cresce. De repente, o homem possuído bateu contra as chamas, mas em vez de recuar, parecia absorver a energia, seus olhos brilhando mais forte. Haryu franziu o cenho.— Ele está... ficando mais forte?— Claro! — respondeu Hōyoku com um sorriso exagerado. — Eu transformo desejo em poder. Quanto mais ele quer... mais ele pode. É simples, delicioso! Haryu avançou, o fogo envolvendo seu corpo como uma aura ardente. Ele socou o chão, liberando uma onda de calor que empurrou o possuído para trás, quebrando a ligação momentaneamente. O homem caiu desacordado, a névoa laranja dissipando-se aos poucos. O espírito da gula gargalhou, dando passos para trás.— Hahaha! Gostei de você, anjinho da guarda. Mas não pense que acabou... nós só estamos começando. — Ele fez uma reverência exagerada, debochada, e sumiu na sombra como se fosse engolido pelo próprio riso. O silêncio voltou ao beco. Haryu respirava fundo, olhando para o homem desmaiado. — Então é assim que eles fazem... manipulam os desejos até que devorem a alma. E aquela havia sido apenas a primeira aparição de Hōyoku.
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