Chapter 3:

Desfecho de um combate entre irmãos.

Entre Luzes e Máscaras Quebradas


Enquanto a poeira baixava, o resultado dos golpes de ambos ficava claro.

Com uma mão trêmula, ela segurava o punho de Caine, cuja força começava a vacilar. Na outra, apertava a lâmina da foice de Vellatrice, que atravessava sua palma de uma ponta a outra, fazendo o sangue escorrer e manchar o chão.

Ela os encarava com um sorriso descontraído, um brilho de desafio nos olhos, como se a diversão pra ela estivesse apenas começando.

— Hoo... não se preocupem comigo, mas desse jeito, vou pensar que querem me matar — falou, a voz calma e cheia de provocação.

— Droga... isso realmente dói... — pensou, apertando os dentes, mas mantendo o sorriso no rosto.

Seu olhar deslizou entre os dois, e, mesmo com o corpo gritando, forçou uma expressão descontraída — um sorriso torto, quase debochado.

Sua postura soava confiante… mas seu peito arfava, mesmo que discretamente. Ela sentia a mão formigando, latejando, e o pulso começava a perder força. Mas, claro, jamais deixaria que eles percebessem isso.

Com um movimento rápido da mão para baixo e um giro do quadril pra trás conseguiu arrancar a lâmina de dentro da carne sem a prejudicar. O sangue espirrou, quente, mais ela sequer piscou.

Aproveitando o desequilíbrio de vellatrice que ainda segurava firme o cabo da foice, Lysielle desferiu um poderoso soco revestido em mana na boca do estômago da irmã.

O impacto fez seus joelhos cederem. Ela desabou no chão, olhos arregalados, as mãos disparando até a boca numa tentativa desesperada de segurar o refluxo, de conter a ânsia sufocante que subia por sua garganta.

Vellatrice tremia, e as lágrimas vieram sem controle, junto com o suor frio que escorria pela sua testa. Cada respiração parecia a rasgar por dentro.

No exato instante em que Vellatrice cedeu ao chão, curvada, Lysielle já havia voltado seus olhos para Caine. Ela o deu uma cabeça tão forte que seu próprio nariz começou a sangrar.

Natural. Fria. Precisa.

Seu punho, que ainda segurava o dele, girou — torcendo articulações, forçando tendões no limite. Antes mesmo que Caine processasse o que estava acontecendo, o cotovelo dela subiu com a precisão de uma lâmina.

— Crack. —

O som seco e limpo cortou o campo. Simples. Inquestionável.

Caine cambaleou — os olhos arregalados, o braço pendendo, as palavras se engasgando em um grito abafado que nem chegou a se formar.

No mesmo instante em que o estalo percorreu o campo, um arrepio subiu pela espinha de Lysielle. — Algo vinha... pelas costas.

Seu corpo reagiu antes mesmo da mente processar. Girou sobre o calcanhar esquerdo, inclinou o tronco, e deixou o ataque passar a poucos centímetros de sua nuca.

Um som cortante riscou o ar. As presas do lobo.

No reflexo, sua mão livre disparou para trás — e agarrou.

— A cauda.

Com isso ela começou a girar o próprio corpo e o do lobo em circulos. Acertando tanto as invocações inimigas mais próximas quanto seus próprios irmãos.

O lobo nem entendeu. Um segundo estava prestes a dilacerá-la, no outro estava preso, suspenso, com o corpo girando no espaço como uma bola de ferro em corrente.

— Uma. Duas. Três voltas.

Cada giro rasgava o vento, e os olhos de Lysielle estavam focados. O corpo do lobo se tornou sua espada pessoal, por mais que ela fosse meio amadora com espadas.

Sem a menor cerimônia descartou sua arma temporária no ar, arremessando o lobo que voou como um projétil desgovernado — e o destino dele foi claro: Caine e Vellatrice, que mal haviam se levantado.

O impacto foi forte o bastante para destruir a invocação especial de caine e os ferir muito mais. O mesmo, agora não possuía mana o bastante para invocar o lobo mais uma vez.

Lysielle ainda finalizava o último giro do corpo, quando seus pés se estabilizaram no chão, ela se firmou. De imediato, abriu os braços para os lados, as mãos voltadas para fora — e, sem mais conter, liberou sua aura.

A energia se acumulou, vibrando, e uma onda de pura força mágica explodiu a partir de seu corpo. Anéis de energia varreram tudo ao redor

— FWOOM!! —

As ondas de mana azuladas explodiram dela em todas as direções. Somente a pressão vindo desse ataque já fazia toda a arena tremer.

As invocações, dezenas, centenas, foram pulverizadas no ato. Suas formas se despedaçaram em partículas de luz, que subiram ao vento como cinzas prateadas.

Caine e Vellatrice sequer conseguiram reagir. Foram lançados como bonecos, colidindo com força contra os limites da barreira.

— BAM!! —

— CRACK!! —

A estrutura mágica tremeu, rangendo, seus feixes de luz se distorcendo, prestes a ceder.

O próprio chão abaixo de Lysielle não resistiu. Começou a trincar e ceder, rachaduras surgiram por toda arena, até tudo desabar em uma cratera em formação.

Pedras voavam, poeira subia, e no centro de tudo… Lysielle.

Seus cabelos brancos tremulavam ferozes nas rajadas de mana. Seus olhos dourados brilhavam como sóis, imponentes, dominantes.

O corpo... pesado. Cansado. Os ombros tensionados, a respiração falhando. Ela sentia. Seus músculos ardiam, os braços latejavam, e cada passo parecia exigir mais do que o corpo queria entregar.

Apesar de seu estado físico não estar tão bem, sua reserva de mana estava praticamente intocada.

Ela caminhou lentamente, avançando em meio às cinzas, se aproximando dos irmãos derrubados, os últimos flocos de luz das invocações se dissipavam no ar, criando um céu estrelado que não deveria existir dentro da dimensão criada por vellatrice.

O campo estava devastado.

Lysielle respirava pesadamente agora. A mão ferida latejava tanto que quase não conseguia fechar o punho. Mas, mesmo assim, ajeitou o cabelo, endireitou as costas e ergueu o queixo, como se aquilo não fosse nada além de um leve aquecimento.

— Se... isso é tudo... vocês realmente me decepcionaram. — disse, secando com a mão o sangue que escorria do queixo.

Mas, no fundo… sim… isso doeu pra caramba.

Aquela maldita ferida... estava realmente doendo.

Lysielle franziu o cenho, observando o sangue escorrer pela mão — quente e viscoso. A dor era incômoda, insistente, e mesmo mover não era fácil.

Sem hesitar, levou a outra mão até uma de suas meias longas e rasgou o tecido em um único puxão, impaciente. A meia cedeu com facilidade, soltando alguns fios enquanto ela enrolava o pedaço de pano sobre a mão ferida.

O aperto firme arrancou um suspiro abafado, mas ela ignorou. Apenas amarrou, apertou mais uma vez… e seguiu. Ela ainda ajeitava o improvisado curativo na mão, quando sentiu — tarde demais — a mudança no fluxo de mana no ar.

— Tch...! — Seus olhos dourados se arregalaram, mas o chão já havia começado a se rasgar.

De todos os lados — do chão, das paredes, do teto, do próprio ar — dezenas de tentáculos de mana negra e arroxeada surgiram como lanças vivas. Eles se torciam, se dobravam, serpenteando como víboras famintas.

Em frações de segundos, envolveram o corpo de Lysielle. Tronco, braços, pernas, pescoço — A imobilizando rapidamente.

— Droga...! — Ela tentou romper, ativar sua mana, reagir... Mas os tentáculos se contraíram de uma vez só, esmagando-a e, no instante seguinte —

— BOOOOM!! —

Uma explosão de mana, fumaça e faíscas varreu metade da arena. O clarão iluminou tudo por alguns segundos, seguido de uma cortina espessa de poeira e destroços voando.

Silêncio. Pesado. Quase absoluto.

Quando a fumaça começou a se dissipar, uma silhueta cambaleante emergiu do centro — Lysielle.

Seus cabelos brancos estavam desalinhados, parcialmente queimados nas pontas. As roupas rasgadas, o corpo marcado com arranhões profundos e hematomas escuros. Sangue escorria pela boca, pela lateral da testa, pelos braços.

Mas seus olhos… seus olhos ainda queimavam em dourado.

Ela se mantinha de pé — trêmula, respirando de forma pesada, os ombros subindo e descendo com dificuldade. A mandíbula cerrada, a expressão dura. Nem por um segundo ela demonstrou fraqueza diante dos irmãos.

Por dentro, porém, era outra história.

"Tsc… fui descuidada... essa desgraçada quase me pegou de jeito..."

"Não posso... me dar esse luxo de novo."

Ela cuspiu o sangue da boca, limpou de qualquer jeito o rosto com o antebraço e voltou a erguer a guarda — pronta para o que viesse.

O chão tremia. A própria barreira dimensional de Vellatrice não estava nas melhores condições e, a cada minuto, se enfraquecia mais.

Vellatrice apertou os dentes. Suas pupilas douradas vibravam em pura incredulidade após ver a real força de sua irmã, mas então… lentamente… ela se ergueu.

— Haa... — arfou, passando o antebraço pela boca, limpando o fio de sangue.

Sem desviar os olhos de Lysielle, ela segurou a gola da própria camisa — e, em um movimento brusco, puxou-a para cima, arrancando-a do corpo.

— SHHFF!!

A peça voou para o lado, exposta agora apenas com a faixa que envolvia o busto. Seus ombros definidos tremiam. A pele marcada por cicatrizes antigas. O corpo de uma guerreira que, apesar de ter recorrido à magia, tinha sido forjado na dor e na sobrevivência.

Ela girou os ombros, estalando cada articulação, trazendo os punhos à frente, tremendo — não de medo, mas de emoção.

— Sem mais truques. — rosnou, com os olhos semicerrados. Seu desejo era uma luta justa.

Lysielle não disse uma única palavra, pois estava procurando algo e quando achou...

Apenas ergueu a mão direita. Sua mana começou a se concentrar ali, girando em espirais densas, compressa a tal ponto que parecia distorcer o ar ao redor.

Vuuuush...

De súbito — SLAAASH!!

Desferiu um corte horizontal no ar.

O golpe, aparentemente lançado no vazio, rasgou o próprio espaço — e nesse instante, ela havia puxado algo para fora da fratura dimensional, como se tivesse sido arrancado à força de dentro de uma caixa que nunca deveria ser aberta.

— SHROOOOOORGHH!!

Quando sua mão emergiu, Lysielle estava segurando em sua mão um pequeno polvo cósmico. Era a invocação dimensional de Vellatrice — um avatar do próprio núcleo da dimensão que ela sustentava.

Mas... ela não parecia nem um pouco impressionada.

— Hmph... — seus olhos desceram lentamente, analisando a criatura como quem observa um inseto.

Então, abriu um sorriso enviesado. Frio. Afiado como uma lâmina.

— Então... essa é sua invocação? — sua voz soou cortante, carregada de desdém. — Um polvo que cria dimensões isoladas?

Ela inclinou levemente a cabeça para o lado, como quem faz questão de zombar.

— Bobagem... — cuspiu a palavra como se ela tivesse gosto ruim.

E antes que a criatura pudesse sequer se mover para escapar—

— CRACK!!

Lysielle fechou o punho.

E o monstro foi esmagado dentro da dobra espacial, seu corpo se desfez em particulas de luz roxas e, no instante seguinte, toda a dimensão começou a colapsar. As paredes de mana ruiam em cascatas de luz quebrada. O próprio céu se desmanchava, como vidro trincando até virar pó.

Vellatrice arregalou os olhos, surpresa, mas não indignada.

— Você... quebrou... você quebrou a minha...! — Vellatrice apertava os punhos, a mandíbula tremendo. — SUA MALDITA!!!

Mais então se recompôs e respirou fundo para controlar suas emoções.

— Tch... — soltou, cruzando os braços por um segundo. — Sabia que você ia fazer algo assim, apesar de não ser menos irritante. — Seu tom estava mais... conformado. Quase resignado. — Por isso eu... preparei meu corpo pra esse momento.

Ela girou o pescoço, estalando-o, e seus músculos ficaram tensos.

A aura roxa começou a emergir do seu corpo, explodindo como chamas etéreas que envolveram seu corpo.

Lysielle, sem sequer piscar, respondeu da mesma forma. Sua própria aura azulada, pura, condensada, irrompeu violentamente — envolvendo-a por completo como uma armadura luminosa. O chão abaixo dela se quebrou só pela pressão.

Por alguns segundos, as duas ficaram imóveis. As auras se chocando, distorcendo o espaço, fazendo o ar tremer e gerar fissuras no vazio.

Mais então. Assim que Lysielle ergueu a guarda, sentiu. O ar rasgou ao seu lado —

— SWOOSH! —

Uma lâmina passou a centímetros de seu rosto.

Quando percebeu, Vellatrice já estava sobre ela, usando tanto a foice quanto a espada descendo em arco, cortando o espaço com força suficiente para dividir uma árvore inteira.

— NÃO ACABOU AINDA!! — berrou Vellatrice, com os olhos insanos, enquanto ela desferia cada movimento mortal.

O chão rachou sob seus pés. As duas colidiram.

O mundo virou uma sequência de flashes. Som. Luz. Velocidade.

— BAM! — CLANG! — FWOOSH! —

As lâminas tilintaram, os punhos se chocaram, os corpos sumiam e reapareciam pelo campo. Cada vez que desferiam golpes os sons ecoavam pela arena.

Mas… não era uma luta equilibrada.

Lysielle lia cada movimento. Seus olhos dourados seguiam cada detalhe, cada mínimo deslocamento de mana. E, no instante em que percebeu uma abertura — não hesitou.

— BAM! —

Um soco no queixo. A cabeça de Vellatrice virou abruptamente. Não perdeu tempo e encaixou outro no abdômen, um chute na lateral, direto na costela e continuou sua sequência.

Vellatrice estava muito desgastada e sabia muito bem disso, porém não estava conseguindo acompanhar os movimentos de sua irmã mais velha.

— TAP! —

Lysielle agarrou vellatrice pelo colarinho— a puxou com força, desarmando-a — e no mesmo movimento, o joelho subiu com tudo no queixo de Vellatrice.

— CRACK! —

O corpo dela voou alguns metros, girando no ar, antes de colapsar no chão, batendo com força.

— THUD! —

Poeira se ergueu. Vellatrice tentou levantar — os braços tremendo, os olhos marejando, cuspindo sangue. Apesar de seus esforços, o seu corpo não a respondia mais.

Lysielle ainda estava de pé, quando derrepente...

— BAM!

O corpo cedeu. Caiu de joelhos, as mãos afundando no chão seco e trincado.

"Haa... haa..." — arfou. O peito subia e descia, pesado, sua respiração antes controlada estava vindo em intervalos rápidos por falta de fôlego.

O coração disparado parecia ecoar dentro do peito, pulsando no limite — não de fraqueza, mas pela tensão brutal que o corpo acabara de suportar.

"Tch… isso foi bastante cansativo... Só... Só preciso de um minutinho..." — apertou os dedos no chão, rangendo os dentes, encarando o próprio reflexo no brilho de uma poça escura.

Por um segundo… permitiu-se processar que, apesar dos ferimentos, do cansaço e do peso nas articulações… ela estava bem.

"No fim... eu venci." — um sorriso torto se formou.

Porém...

— Tac... Tac... Tac...

Passos.

Lentos.

Elegantes.

E logo após... O som de palmas batendo foram ouvidos

Palmas ritmadas, firmes, porém descontraídas... Como se a pessoa por trás delas estivesse apreciando um espetáculo que havia superado suas expectativas.

Os olhos dourados de Lysielle se abriram imediatamente.

Ela se ergueu em um movimento ágil, ignorando o cansaço. Seus sentidos, que por um breve instante haviam relaxado, dispararam novamente, atentos.

— Quem... — começou a dizer, girando o olhar na direção do som.

E então viu.

De entre as sombras formadas pelos destroços e pela neblina mágica que ainda pairava no ar, uma silhueta surgiu.

Passos firmes.

Sapatos pretos impecáveis.

Uma saia elegante balançando com o movimento. Um avental de tecido fino e uma touca de criada sobre cabelos perfeitamente alinhados.

A figura parou a poucos metros dela.

E quando a luz revelou seu rosto... Lysielle arregalou levemente os olhos.

Seu corpo enrijeceu.

— É... é você... — sussurrou, quase sem acreditar.

A mulher à sua frente manteve um sorriso misterioso nos lábios, inclinando levemente a cabeça, como quem cumprimenta uma velha conhecida.

O som do vento soprou, levando embora as últimas partículas de mana que flutuavam no ar.

E o silêncio que se seguiu foi mais pesado que qualquer batalha.